Uma família compartilha suas experiências de hospedagem no recém-construído Eco Lodge da Eco Caminhos
Por Liuan Huska, voluntária
“Se você quer tratar bem o meio ambiente, vá construir um barraco na floresta, dance seminu ao redor do fogo e se desligue do sistema.” Essa é a essência do que meu marido, Matt, me disse em uma de nossas muitas discussões sobre meus ideais ambientais e a realidade moderna.
No meu mundo ideal, quero ser um impacto positivo e não negativo na Terra. Mas a realidade é que vivemos em uma sociedade global estruturada em torno do alto consumo de energia, desrespeito à natureza e esgotamento dos recursos naturais. É difícil, por conta própria, escapar da vida neste sistema.
Diante dessa realidade, a ideia de vida sustentável em muitos casos tem equivalência à ideia de sacrifício. Para sermos gentis com o planeta, pensamos que devemos sacrificar nossas conveniências, nossa carne, nossos voos e confortos de criatura, como uma casa quente no inverno. Assumimos que reduzir nossa pegada de carbono significa que temos que retroceder na trajetória do progresso humano. Temos que regredir a um modo de vida mais primitivo, menos confortável.
Ainda acho que precisamos mudar drasticamente nossa compreensão de uma “vida boa” para menos materialismo e consumo. Mas morar no Eco Lodge aqui na Eco Caminhos me fez questionar a equação de MAIS SUSTENTÁVEL = MENOS CONFORTO.
O que é a Eco Caminhos e o Eco Lodge?
A Eco Caminhos é uma fazenda de permacultura nas montanhas no norte do Rio de Janeiro, dentro do ecossistema da Mata Atlântica. Seu foco principal está na bioconstrução (usando materiais sustentáveis, locais e naturais) e agroflorestra (integrando árvores e imitando sistemas florestais no cultivo). Eles também recebem uma variedade de pessoas para participar e aprender, incluindo aprendizes brasileiros locais, voluntários internacionais de curto e longo prazo e famílias, como nós.
O Eco Lodge é o terceiro grande projeto/habitação bioconstruído que Bart Bijen (o fundador da Eco Caminhos) e sua equipe assumiram. Ao entrar nos portões da fazenda, localizada na periferia da cidade de Nova Friburgo, você pode ver o Eco Lodge empoleirado no topo de uma estrada íngreme e em ziguezague que vai até a propriedade. É uma bela estrutura – contornos de madeira rústica, base de pedra, paredes em tons de terra, videiras do telhado verde penduradas e uma ampla área de viver revestida de vidro que se abre para um deck de madeira reciclada em que se pode olhar a extensão das montanhas e o vale do Cardinot.
Desde que começamos a viajar pela América do Sul há três meses, o Eco Lodge é a acomodação mais luxuosa em que ficamos. Também é, surpreendentemente, a mais sustentável. O edifício é feito quase inteiramente de materiais sustentáveis: rochas de origem local, madeira reciclada e paredes que consistem em uma mistura de argila, areia, grama e esterco (quase todos encontrados na propriedade). Havia alguns elementos que precisavam ser obtidos de mais longe, por exemplo, vigas de madeira de lei (certificadas como não provenientes da floresta amazônica), várias luminárias, gesso para as divisórias dos quartos do andar de cima e alguns acabamentos em madeira.
Conectada ao sistema de energia solar líquida zero, toda a eletricidade que usamos no Eco Lodge é renovável e livre de carbono. O fogão de indução é elétrico e a água quente é alimentada por uma caldeira solar e, a habitação não utiliza gás natural. Nosso abastecimento de água é filtrado depois de vir de nascentes das montanhas de altitude mais alta, e nossas águas residuais vão diretamente para um sistema de filtro de banana de água preta e água cinza abaixo da casa.
Como é se hospedar no Eco Lodge?
Mais quente
Ficamos em um condomínio não muito longe da Eco Caminhos no primeiro mês de nossa estadia no Brasil, durante os meses de julho e agosto. Embora este fosse um bairro de classe alta, a casa foi construída em estilo típico brasileiro – paredes de concreto, telhado de telha e correntes de ar. (O concreto, embora barato e conveniente, tem uma enorme pegada de carbono.) Os invernos nesta área são amenos para os padrões do Meio-Oeste dos EUA, com temperaturas chegando a 40 graus Fahrenheit, ou cerca de 5 graus Celsius. Mas sem aquecimento ou isolamento interno, isso se traduz em desconforto considerável. Em alguns dos dias mais frios, nos enrolávamos em cobertores, colocamos música de dança e fazíamos tudo o que podíamos para nos manter aquecidos.
O Eco Lodge, com suas grossas paredes de terra, mantém o calor no inverno e se mantém fresco no verão. Apesar de alguns dias chuvosos e frios aqui, não sentimos tanto frio quanto nas outras casas brasileiras em que ficamos. Nossos filhos também gostaram muito de cuidar da lareira à lenha, que é equipada com um ventilador que distribui o calor por toda a casa.
À medida que o mundo se ajusta a climas mais extremos, podemos nos inspirar em casas como essas. O Eco Lodge é construído com atenção ao microclima local, como a posição do sol, as sombras das montanhas, a forma como a água flui para baixo e os padrões do vento. Pegando as pistas da natureza, o objetivo é trabalhar com, em vez de contra, os elementos. Ao construir de forma inteligente e consciente, podemos preservar o conforto humano sem danificar ainda mais os ecossistemas que nos sustentam.
Pequenos ajustes para contar com energia renovável
A energia solar é apenas isso – vinda do sol. A fazenda produz energia solar por meio de 16 painéis instalados na cobertura de um pavilhão multiuso e utiliza caldeiras solares para aquecimento da água. Mas nos dias em que não está ensolarado, esses painéis não estão produzindo o suficiente para o uso diário. A tecnologia de armazenamento de bateria disponível ainda é muito cara e ineficaz para justificar o investimento. Embora o objetivo seja tornar-se totalmente independente de energia, por enquanto a fazenda está conectada à uma rede elétrica maior. Ela coloca a energia solar na rede quando há excesso e depende da rede quando mais é necessário. Isso equivale a um balanço de energia líquido zero.
Para a caldeira de água solar, na maioria das vezes o tanque de água quente não está conectado à rede. Então acontece de não haver sol o bastante durante o dia para aquecer suficientemente o tanque para os banhos quentes. Mas se for um dia nublado e quisermos tomar banho, temos que lembrar de ligar o disjuntor da caldeira de água para conectá-la à rede e deixá-la aquecer por algumas horas. Caso contrário, é um banho frio MUITO refrescante. Preferimos ficar sujos nos dias em que esquecemos.
Este é um exemplo dos tipos de pequenas mudanças que precisaremos fazer à medida que mudamos nossos sistemas de energia de combustíveis fósseis para energia eólica e solar.
Como o povo do Uruguai, que está liderando uma transição energética que não sacrifica o conforto humano, talvez tenhamos que organizar nossas tarefas mais intensivas em energia nos períodos em que o vento e o sol são mais abundantes. Para mim, essas pequenas mudanças valem totalmente os benefícios de não liberar mais carbono na atmosfera evitando poluir ainda mais o ar que respiramos.
Conectado a Terra
Acordamos às seis da manhã com a luz do dia passando por entre as cortinas e o canto dos pássaros. Esfrego os olhos, coloco os pés no chão de madeira de acácia e afasto as cortinas para ver que vistas a Mãe Natureza está nos presenteando hoje. Às vezes é um mundo exuberante de névoa, às vezes é um sol brilhante e uma brisa e, às vezes são nuvens fofas que cobrem o vale abaixo. Muitas vezes, abro as janelas para olhar para o telhado verde e levo alguns minutos respirando o ar fresco da montanha.
Depois de me vestir para um dia de trabalho na fazenda, desço a escada em espiral para ver meus filhos brincando em frente às janelas de vidro de parede a parede que se abrem para o terraço. Não me canso dessa vista deslumbrante. Meus dedos dos pés tocam o azulejo frio e eu me arrasto até a cozinha de conceito aberto para tomar o café da manhã.
Após o café da manhã, caminhamos pela estrada da fazenda até a Colmeia, onde começam as atividades do dia. Esta é uma das minhas partes favoritas. Saímos bem no meio da fazenda sem saber o que o dia nos reserva. Talvez seja um encontro com uma vaca, uma boa conversa com outros voluntários, um tempo reflexivo plantando milho entre as mudas de abobrinha, ou o trabalho manual satisfatório de coletar esterco de vaca ou cavar uma vala para iniciar um galpão bioconstruído.
Depois de um dia inteiro de trabalho e aprendizado, muitas vezes paro nos campos a caminho de casa para pegar um pé de alface e algumas cebolinhas para fazer uma salada para acompanhar o jantar. Talvez tenhamos também couve-flor assada da plantação ou lentilhas com couve que é cultivada na fazenda. É lindo viver tão perto da comida que estamos comendo e entender o amor e o respeito que foi necessário para cultivá-la.
Quando o sol se põe, olho para os cumes das montanhas que cercam o Eco Lodge. Lá está o Focinho do Porco, meu favorito, que se sobressai aos demais ao longe. É uma experiência especial ficar em um lugar como este, abrigado pela madeira, pedra e terra que se formaram nesta área ao longo de décadas e milênios. Eu sei que nem sempre estaremos em um lugar tão bonito, mas espero recriar esse sentimento de conexão com a terra em qualquer lugar que acabemos chamando de lar.